Qual a sua primeira reação ao ver esta capa?
A minha foi uma risada. E isso diz muito sobre as primeiras impressões que temos diante de certos símbolos, sem antes prestarmos atenção em cada parte dele.
Quando olhei pela primeira vez, rapidamente, para a arte criada pelo artista Kanye Gravillis, eu sorri por achar que a mulher da foto estava sorrindo também. O que é hilário, de certa forma.
Como pude perceber depois, olhando por mais alguns segundos, e fazendo uma leitura mais detalhada, vi que, na verdade, a mulher estava chorando, com um semblante de pavor, seguida por um companheiro, também correndo — da polícia.
O contexto do disco explica o que a capa sintetiza em uma imagem: violência, medo, racismo e um mundo em chamas, imerso em problemas sociais e calamidade.
Uma igreja queimada, uma cena de uma revolta no bairro Bedford-Stuyvesant do Brooklyn, a mão do mafioso assassinado Giuseppe Masseria, uma criança chorando e uma criança que gritava entre destruição em Xangai após o ataque da Segunda Guerra Mundial são as imagens que o diretor de arte costumava exibir para mostrar a humanidade em suas horas mais sombrias.
01# | ”Mulher correndo”
Data: 1960s
Fotógrafo: Desconhecido
Localização: Bedford-Stuyvesant, Brooklyn
Contexto: Políciais perseguem dois adolescentes negros em Bed-Stuy durante uma revolta. Esta imagem viria a representar o racismo e a injustiça na era do Movimento dos Direitos Civis.
“Esta tornou-se a obra de arte principal por alguns motivos. A capa fazia parecer que a comunidade urbana poderia realmente se relacionar com isso. Ver o medo real no rosto da mulher é muito afetador. Isso se mostra incrivel e agressivo em seu comentário sobre a sociedade. Lembro-me de ir para Tower Records e ver essa foto enorme, foi tão impactante. Não tenho certeza de que isso funcionaria hoje.”
Essa capa é lendária por várias questões, e, uma das principais para mim diz respeito a questão estética, onde foi abandonado um estilo mais cheio de cores, ilustrações nem sempre tão belas feitas pelos artistas da época, até por uma questão de limitação de ferramentas, bem como o uso da fotografia como protagonista desta história. É tudo muito sutil, deixando que a foto fale por si só.
02# | ”Ás nas mãos”
Data: 15 de abril de 1931
Fotógrafo: Bettman
Localização: Nuova Villa Tammaro, 2715 West 15th Street, Coney Island, Brooklyn
Contexto: Mob chefe Giuseppe “Joe the Boss” Masseria foi encontrado morto segurando um ás na mão depois de ter sido assassinado em um Restaurante de Benjamin “Bugsy” Sigel, Vito Genovese, Albert Anastasia e Joe Adonis.
“A mão que segura o cartão de ás mostra uma grande ironia. Parece quase que foi colocado lá. É incrível que essa foto ainda existe! Essa capa é mais simbólica do que as demais. Isso mostra que, mesmo que você obtenha o ás, coisas boas nem sempre estão por vir “.
Metaforicamente, essa capa é perfeita. Mesmo que, na minha opinião, ela não reflita a real luta e linguagem do disco, a metáfora do Às, carta essa que representa um valor gigante em vários jogos de cartas, é incrível. Você ter um às em suas mãos, caído, morto, sorte e azar, é muito foda. O tipo de fotografia que mais me encanta é justamente essa dos momentos perfeitos, das metáforas, das reflexões.
Essa capa me lembra um verso do Prodigy em “Cradle to the grave”, que diz: “Life is like a dice game and i’m in to Win”. Ou não.
03# | ”Á bomba da igreja”
Data: Desconhecido
Fotógrafo: Desconhecido
Localização: Desconhecido
Contexto: Um incêndio destrói uma igreja e machuca dois bombeiros. Um bombeiro pode ser visto entre os danos.
“Nós não procuramos especificamente bombardeios, mas encontramos essa imagem da igreja que representou um dos maiores fracassos da sociedade. Como país, temos a liberdade de adorar. Essa imagem representa uma enorme violação desse direito. Eu realmente amo a figura nos entulhos e como ela se centra nos restantes vitrais e arcos. Ainda tem uma sensação de espiritualidade, mesmo nos restos queimados “.
Acho uma imagem emblemática. Fazendo uma leitura um pouco mais profundo pode-se chegar a várias conclusões. Alguns entenderiam como um plano divino, outros como crime de ódio, ou até mesmo um golpe de azar. Mas, a luz atravessado a igreja destruída, como um feixe que vem de fora para dentro dá um tom de esperança, como se algo estivesse invadindo aquele ligar inóspito. Ao mesmo tempo tento uma visão apocalíptica da situação, o fim de tudo. Dualidade.
#04 | ”Criança chorando”
Data: 28 de agosto de 1937
Fotógrafo: HS “Newsreel”
Localização: Estação Ferroviária no Sul de Xangai
Contexto: Esta imagem foi amplamente publicada nos jornais em setembro e outubro de 1937 e passou a representar o resultado da guerra japonesa na China.
“Mesmo que você não seja pai, esta foto capta uma destruição social horrível. Esse click icônico do bebê nos escombros é indicativo do abandono que ainda está ocorrendo hoje”.
Em 1937, o Imperialismo japonês já dava as caras, mostrando seu alinhamento com os fascistas e nazistas, que já estavam se preparando para a Grande Guerra. Na Espanha, Franco já havia dado início ao seu massacre. Na Alemanha e Itália, Hitler e Mussolini caminhavam em direção ao que seria um quase domínio total da Europa. Ouso dizer que o mundo nunca esteve tão próximo do colapso e nunca esteve tão nas mãos do seu pior pesadelo como nas décadas de 30 e 40.
Essa foto representa toda a vida de uma geração que nasceu durante este momento, sem perspectiva, escravizada, jogada a sua própria sorte na mão de ditaduras extremamente racistas e imundas.
Crianças essas que ficaram pelo caminho, que cresceram a sombra do medo, e algumas poucas que conseguiram se reerguer. Destruição e desesperança são duas palavras que definem essa fotografia é o que foi o mundo em 20 anos — é que ainda hoje existe em menor escala.
#05 | ”Criança chorando”
Data: 1 de agosto de 1992
Fotógrafo: Peter Turnley
Localização: Baidoa, Somália
Contexto: Esta imagem representa a fome que afetou os somalianos durante mais de uma década de guerra civil. Em dezembro de 1992, os Estados Unidos e outros apoios internacionais se espalharam com “Operation Restore Hope”.
“Esta foi a última cobertura que escolhemos. Ela representava a fome em diferentes partes do mundo. Embora fosse a capa mais óbvia, a fome é uma epidemia tão generalizada que achamos que precisava ser incluída”.
Diferente da guerra, a fome é uma forma extremamente mais desumana de óbito da população, por ser a maior representação do descaso governamental. Alimento que deveria ser um direito básico de todo ser humano, visto que nada nesse mundo tem dono — ou seríamos todos donos de tudo?
Não existe muita reflexão estética ou artística em cima desse registro, é a vida nua e crua, estampada e que mostra a verdade sobre o que é viver em países esquecidos, lembrados apenas quando se precisa de novos recursos naturais e mão de obra barata.
Fonte: www.complex.com e uns 3 anos ouvindo essa obra quase que diariamente.